sábado, 24 de agosto de 2013

Murilo Mendes

CANÇÃO DO EXÍLIO

Minha terra tem macieiras da Califórnia
Onde cantam gaturamos de Veneza
Os poetas da minha terra
São pretos que vivem em torres de ametista,
Os sargentos do exército são monistas, cubistas,
Os filósofos são polacos vendendo à prestações.
A gente não pode dormir Com os oradores e os pernilongos

Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado Em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
Nossas frutas são mais gostosas
Mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
E ouvir um sabiá com certidão de idade!


Percebemos que na paródia do poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, feita por Murilo Mendes, há uma exposição de um olhar voltado para estrangeirismo dentro da própria nação - Brasil, a identidade nacional é perdida dentro do próprio país: “Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade”.

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No poema a seguir, Murilo Mendes relaciona o mundo espiritual ao mundo material, explicitando a relação da sensualidade com a religiosidade:


POEMA ESPIRITUAL

Eu me sinto um fragmento de Deus
Como sou um resto de raiz
Um pouco de água dos mares
O braço desgarrado de uma constelação.

A matéria pensa por ordem de Deus,
Transforma-se e evolui por ordem de Deus.
A matéria variada e bela
É uma das formas visíveis do invisível.

Na igreja há pernas, seios, ventres e cabelos
Em toda parte, até nos altares.
Há grandes forças de matéria na terra no mar e no ar
Que se entrelaçam e se casam reproduzindo
Mil versões dos pensamentos divinos.
A matéria é forte e absoluta
Sem ela não há poesia.

Um comentário:

  1. Esse ''Poema Espiritual'' é fascinante. Só um gênio mesmo para conseguir misturar o material e o espiritual de uma maneira tão poética. Incrível esse Murilo Mendes. "Fragmento de Deus'', ''resto de raiz'' são termos que fazem a gente meditar e perceber o quanto somos um nada e como a nossa vida é passageira; somos fracos, decaídos e passamos ligeiramente sem deixar nenhum resquício que um dia já havíamos habitado por essa Terra. Hélio Félix, Manutenção Automotiva B - 3° ano N° 14

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