quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A felicidade pode ser clandestina?

FELICIDADE CLANDESTINA

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pegue emprestado na Multimeios da EEEP Itaitinga
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu nao vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

 (Lispector, Clarice. Felicidade Clandestina. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998)

Roteiro de estudo:


  • Quais são os personagens ? Têm nomes? Descreva-os física e psicologicamente.
  • Qual era o objeto de desejo da protagonista?
  • O que significa a expressão "tortura chinesa"?
  • Por que ela se submeteu a essa tortura?
  • Que atitude tomou a mãe da garota diante da situação?
  • Por que, segundo a protagonista, a mãe ficaria horrorizada ao descobrir a filha que tinha?
  • Como se sentiu a protagonista após a decisão da mãe de sua rival?
  • O que significa a expressão 'clandestino(a)'?
  • A associação de 'felicidade' com 'clandestina' poderia soar estranho? A felicidade pode ser clandestina?
  • Com que intenção a protagonista usou a expressão 'tortura chinesa"  para se referir ao descaso da colega? Há nesse caso um exagero (uso hiperbólico da linguagem)?
  • Explique a metáfora:  “eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave...”.  
  • Por que para a garota era mais importante ficar com o livro pelo tempo que ela quisesse?
  • Que atitude a menina teve quando o livro enfim ficou em suas mãos?
  • Por que ela fazia isso?  


Em alguns momentos do conto, Clarice Lispector utiliza um recurso bastante recorrente em vários escritores da época. Trata-se da introspecção psicológica , por meio da qual "procura-se desvendar o universo mental da personagem de forma linear, com bastante nitidez de tempo e espaço. Nesse caso, o leitor tem pleno domínio da situação e distingue com facilidade momentos do passado, momentos do presente e momentos de imaginação". Identifique em qual dos fragmentos abaixo ocorre esse processo.

(   ) Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo.
(   ) Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.
(   ) Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Em certos momentos, o recurso utilizado é o do fluxo de consciência: por meio dele, "presente e passado, realidade e desejo se misturam. O pensamento fica solto, sem preocupação com a lógica ou com a ordem narrativa".

Releia:
Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. 

No trecho acima, em itálico, podemos observar que a narradora interrompe a linearidade da história e, momentaneamente, passa por fluxo de consciência. Explique esse momento da narrativa, já discutido oralmente.

Durante o fluxo de consciência, às vezes a personagem poderá passar por uma revelação (é o que se chama epifania). Esse processo pode ter início a partir de fatos banais do cotidiano (como num encontro, num olhar; ouvindo uma música). A epifania provoca no ser humano um estranhamento diante da realidade. A partir daí, ele passa a ver o mundo e a si mesmo de outro modo, mais aprofundado.

Estando com o livro em mãos, a protagonista vive momentos de êxtase: finge não tê-lo para preservar a sensação de não realização de um desejo (o desejo realizado deixa de ser desejo!!!). Prefere escondê-lo, como se fosse algo ilegítimo, o que torna a sua felicidade clandestina. No meio desse fluxo de consciência, de repente, surge uma revelação. Responda:

a) qual é essa revelação?
b) o que podemos imaginar a partir dela?

Explique a frase: “A felicidade sempre iria ser clandestina para mim”.

Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=28047

sábado, 26 de outubro de 2013

Não basta ser professora, tem que participar!

A EEEP de Itaitinga deseja boa prova a todos os alunos!
Galera, muito boa sorte amanhã!! Hoje, nós, professores, estivemos dando nosso MUITO BOA SORTE a vocês! Confio muito no potencial de todos e espero bons resultados! Amanhã tem: REDAÇÃO!!!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Inauguração do Jornal Mural Informando a Galera

Nesta quarta-feira (23), aconteceu a inauguração do último Jornal Mural Informando a Galera de 2013. Os professores João e Izabel Gouveia comandaram as atrações, as quais incluíram apresentações musicais e poéticas. Divulgamos o resultado do II Concurso de Poesia através de muita emoção advinda dos versos escritos pelos alunos. Seguem as fotos:

Carol e Vitória abrem o evento cantando Vinícius de Moraes

Plateia lotada

Prof. João dando início ao evento

Joyce recitando Cecília Meireles

Sildácio recitando Drummond

Luciano recitando Patativa do Assaré

Profa. Izabel Gouveia divulgando o resultado do II Concurso de Poesia

Ildelano foi o vencedor do II Concurso de Poesia

Carol e Vitória encerrando o evento com os versos de Patativa do Assaré
Parabéns a todos os alunos que fizeram parte do Jornal Mural Informando a Galera!!! 

NOTA: Infelizmente, não poderei mais organizar o jornal, mas espero que o mesmo espírito jornalístico continue para os que farão parte do grupo ano que vem!

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Parabéns, Professores!

Alunos do projeto produzindo o mural
Os alunos e professores participantes do projeto Haicai e Fotografia decidiram homenagear os professores da EEEP de Itaitinga através de haicais produzidos pelos próprios alunos. O resultado dos experimentos poéticos foi exposto em flanelógrafo próximo à entrada da sala dos professores. Nosso intuito foi o de mostrar o quão importantes vocês são para todos nós!

Projeto Haicai e Fotografia homenageando os professores da EEEP de Itaitinga


Parabéns pelo DIA DO PROFESSOR!

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sarau da Poesia de 30: Redes de Computadores

Finalizando as belíssimas apresentações das turmas de 3º ano da EEEP de Itaitinga, a turma de Redes voltou a homenagear nossos grandes poetas, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e Patativa do Assaré. Confira as fotos:

I Sarau Literário da Redes de Computadores

Recepção para os professores


Ana Caroline

Janette

Dyclar

Nathália

Cícera

Ana Kelly Nogueira

Kézia

Laís

Jamile

Aline

João Filho

Iuri

Kélvia

Yraelle

Jessica Mary

Joicilene

Ana Kelle de Sousa

Alexandra


Emmanuel

Mirelly

André

Larissa

Raiane

Ritchelly

Cleane

Marina

Daniel Cristian

Marília

Mayana

Hitallo


João Emanoel

Patrick



Nathália e Ritchelly
Parabéns por ter-nos "tocado a alma" com um show de declamação poética!

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Sarau da Poesia de 30: Secretaria Escolar

A emoção tem tomado conta do I Sarau da Poesia de 30 das turmas do 3º ano. Não foi diferente com a turma de Secretaria Escolar. Recitando Vinícius, Cecília, Drummond e Patativa, as alunas conseguiram levar todos os convidados à emoção própria da Poesia. Com um show de recitação, o sarau terminou em sorrisos, lágrimas, músicas e muuuita POESIA! Parabéns!!

Organização pré-Sarau

Carol e Vitória

Bárbara

Carol

Dayse e Thamires

Carol e Brenda

Priscila

Bruna

Luana

Cristina

Adriana

Regilane

Valdiana

Mickaelly Nascimento

Magnália

Professores parabenizando os alunos

Música no final do Sarau

Dayse e Thamires

Parabéns pelo excelente empenho!!!